Um manifesto assinado por 730 dos mais importantes nomes da inteligência brasileira –ademais de organizações e movimentos sociais— afrontou o ar pesado remanescente das marchas de domingo. E o fez corajosamente, como a dizer aos demais integrantes da comunidade acadêmica: a hora é agora. Amanhã pode ser tarde demais.

O texto alerta que a democracia e os democratas não podem mais permitir que representantes do povo e os guardiões da lei ajam contra a lei e contra o povo em nome de defende-los.

‘O povo brasileiro já escolheu em que regime político quer viver’, afirma o manifesto que aponta uma das causas da apreensiva indignação da inteligência nacional com a sombra que se espalha.

O juiz Sergio Moro é citado explicitamente como protagonista de um enredo em que a exceção é a nova regra; a investigação virou sinônimo de abuso e a alegada busca da verdade, falseia e espetaculariza, submetendo réus a ações intimidatórias associadas ao know how de perversão de um sistema de comunicação monopólico.

A espiral de abusos atingiu seu auge, denuncia o manifesto, no episódio recente da condução coercitiva do cidadão Luís Inácio Lula da Silva, ‘que não resistiu à intimação judicial porque sequer foi intimado’.

Quem vai colocar limites num processo que se avoca o direito de definir seus próprios limites, indagam centenas de assinaturas cujo peso intelectual desmente a pretensa supremacia do passo de ganso ecoado no Brasil neste final de semana.

Leia a seguir o texto do manifesto:

A nação brasileira lutou muito para construir um Estado democrático. Em uma ditadura, o poder de Estado é usurpado para perseguir, forçar depoimentos, prender e torturar cidadãos. Uma democracia não pode permitir que os representantes do povo e os guardiões da lei ajam fora da lei. O povo brasileiro já escolheu em que regime político viver.

Antes de todos os cidadãos, os guardiões da lei – juízes, promotores, policiais – devem se submeter ao princípio da legalidade de seus atos e são constrangidos por ritos processuais. Sob pretexto de defender o cumprimento da lei, não podem desrespeitá-la. A luta contínua contra a corrupção é fundamental para assegurar o caráter republicano do Estado, mas não se combate corrupção corrompendo a Constituição.

O juiz Sérgio Moro faz da exceção uma nova regra: com a justificativa de que investiga poderosos, abusa dos poderes à sua disposição e convoca espetáculos escandalosos na grande mídia em que cidadãos intimados ou investigados, às vezes sequer acusados, não são presumidos como inocentes.

Cidadãos são intimidados com exposição espetacular de suas conduções coercitivas e detenções ditas provisórias, em operações vazadas para a grande mídia. Prisões justificadas pelo suposto perigo à ordem pública representado pelo prisioneiro tornam-se pretextos para forçar delações extraídas sob ameaça da extensão da detenção e com o prêmio da liberdade em vista. A validade dos depoimentos não é prejudicada pelo uso de métodos que se assemelham à chantagem e à tortura psicológica?

Tamanha arbitrariedade reforça e ao mesmo tempo reflete a cultura de um Estado policial que trata ainda mais violentamente os cidadãos que não considera poderosos. É uma herança da ditadura contra a qual temos que reagir.

O abuso cotidiano ficou evidente com a condução coercitiva do cidadão Luís Inácio Lula da Silva, que não resistiu a uma intimação judicial porque sequer foi intimado. Todos os anos, milhares de brasileiros são conduzidos coercitivamente a depoimentos sem serem intimados pela justiça. O juiz Sergio Moro já determinou 116 conduções coercitivas cuja legalidade é questionável. A arbitrariedade só ficou mais patente neste caso por atacar os direitos de um ex-presidente que já se dispusera a depor voluntariamente na Operação Lava-Jato.

O argumento do juiz Sérgio Moro de que a condução coercitiva buscava proteger o cidadão público beira o absurdo. Se fosse para proteger a segurança, bastava uma intimação sigilosa. Ao contrário, o juiz Moro mais uma vez preferiu o espetáculo inquisitório ao respeito da lei. A arbitrariedade de seu ato induziu a violência que dizia querer evitar, além de ser abusivo em si mesmo.

Quem vai colocar um limite à arbitrariedade do juiz Sérgio Moro? Ele e seu padrão de comportamento estão acima da lei?

O direito de todos os cidadãos deve ser garantido e não atropelado pelos guardiões da lei. Os cidadãos, as entidades e organizações da sociedade civil abaixo, subscrevem este documento em defesa da ordem constitucional e contra o golpe às instituições democráticas.

Assinam:

1) ADALBERTO MONTEIRO, poeta, jornalista e Presidente da Fundação Maurício Grabois

2) ADALBERTO MOREIRA CARDOSO, pesquisador e professor do IESP da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

3) ADELAIDE GONÇALVES, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE)

4) ADILSON CITELI, pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (ECA/USP)

5) ADMA MUHANA, professora de Literatura da Universidade de São Paulo (FFLCH / USP)

6) ADRIAN GURZA LAVALLE, cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP)

7) ADRIÁN PABLO FANJUL, professor da Universidade de São Paulo (DLM/FFLCH/USP)

8) ADRIANA ARANHA, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/MG)

9) ADRIANA CESTARI, economista

10) ADRIANA MARIA BERNARDES SILVA, professora do Departamento de Geografia da Universidade de Campinas (Unicamp)

11) ADRIANO BIAVA, economista e professor sênior da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

12) AFRÂNIO MENDES CATANI, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (FE/USP)

13) AGENOR SILVA JUNIOR, engenheiro e consultor financeiro

14) AGUEDA BITTENCOURT, professora da Universidade de Campinas (Unicamp)

15) AIRTON FISCHMANN, médico

16) AIRTON PASCHOA¸ escritor

17) ALAI GARCIA DINIZ, professora da UNIOESTE e colabora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

18) ALAN KARDEC DUAILIBE, professor associado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

19) ALCENO KONRAD, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

20) ALCIDES CELSO OLIVEIRA VILLAÇA, professor titular da Universidade de São Paulo (DLCV/FFLCH/USP)

21) ALCIDES GOULARTI FILHO, professor da UNESC

22) ALEXANDRE DE FREITAS BARBOSA, professor da Universidade de São Paulo (IEB/USP)

23) ALEXANDRE PADILHA, médico e secretario de saúde da cidade de São Paulo

24) ALEXANDRE RIBEIRO LEICHSENRING, estatístico e professor da Universidade de São Paulo (EACH/USP)

25) ALFREDO BOSI, professor titular da Universidade de São Paulo (DLCV/FFLCH/USP)

26) ALFREDO SAAD FILHO, SOAS, University of London

27) ALÍPIO FREIRE, jornalista

28) ALOISIO BARROSO, economista e diretor da Fundação Maurício Grabois

29) ALTAIR FREITAS, escritor e historiador

30) ALTAMIRO BORGES, jornalista

31) ALUÍSIO ANDRADE, advogado

32) ÁLVARO A. COMIN, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)

33) ÁLVARO ESCRIVÃO JUNIOR, médico e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP)

34) ÁLVARO NASSARALLA, poeta, curador do Instituto Internacional de Arte Naif

35) ÁLVARO OKURA DE ALMEIDA, metre e doutorando em Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp)

36) AMIR KHAIR, economista

37) AMNÉRIS ÂNGELA MARONI, DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE CAMPINAS (UNICAMP)

38) ANA CAROLINA GALVÃO MARSIGLIA, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

39) ANA DE MIRANDA BATISTA, sanitárias

40) ANA ESTELA HADDAD, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FO/USP)

41) ANA FLÁVIA DE OLIVEIRA, médica, feminista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM / USP)

42) ANA HUTZ, professora da Universidade de São Paulo (DH/FFLCH/USP)

43) ANA LÚCIA GUEDES-PINTO, professora da Universidade de Campinas (Unicamp)

44) ANA LÚCIA PASTORE SCHRITZMEYER, antropóloga e professora da Universidade de São Paulo (DA / FFLCH / USP)

45) ANA MARIA COSTA, médica sanitarista e diretora do Cebes

46) ANA MARIA ESTELA CAETANO BARBOSA, educadora

47) ANA MARIA MULLER, advogada

48) ANA PAULA ARAÚJO FONSECA, PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO AMERICANA (UNILA)

49) ANA PAULA HEY, professora da Universidade de São Paulo (DS/FFLCH/USP)

50) ANA ROSA RIBEIRO DE MENDONÇA, professor da Universidade de Campinas (IE/Unicamp)

51) ANA TEREZA DA SILVA PEREIRA, médica

52) ANA URRACA RUIZ, professora da Universidade Federal Fluminense

53) ANDRÉ KAYSEL VELASCO E CRUZ, professor de ciência política da UNILA

54) ANDRÉ LUÍS GOMES, Universidade de Brasília (UnB)

55) ANDRÉ M. BIANCARELLI, professor da Universidade de Campinas (IE/Unicamp)

56) ANDRÉ PAIVA RAMOS, economista

57) ANDRÉ VITOR SINGER, cientista político e professor livre docente da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP)

58) ANDREA CRISTINA OLIVEIRA GOZETTO, cientista política (FGV/MGM)

59) ANDREA LOPARIC, pesquisadora e professora sênior da Universidade de São Paulo (FFLCH / USP)

60) ANDREI KOERNER, cientista político e professor de ciência política da Universidade de Campinas (Unicamp)

61) ANDRÉIA GALVÃO, professora da Universidade de Campinas (DCP/IFCH/Unicamp)

62) ANDRÉS VIVAS FRONTANA, professor de Economia da ESPM e da FECAP

63) ANGELA KAYSEL CRUZ, médica e professora titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP)

64) ANÍBAL BRAGANÇA, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF)

65) ANITA LEANDRO, documentarista, roteirista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO / UFRJ)

66) ANIVALDO PADILHA, sociólogo

67) ANTONIO CORRÊA DE LACERDA, economista e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP)

68) ANTONIO DAVID CATTANI, Professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

69) ANTÔNIO DAVID, filósofo, mestre e doutorando pela Universidade de São Paulo (USP)

70) ANTONIO ELÍBIO, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

71) ANTONIO GELIS FILHO, advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP)

72) ANTONIO MIGUEL, professor livre-docente da Universidade de Campinas (FE/Unicamp)

73) ANTONIO RIBEIRO DE ALMEIDA JUNIOR, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (Esalq / USP)

74) ANTÔNIO SÉRGIO CARVALHO ROCHA, professor de Ciência Política da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

75) ÁQUILAS MENDES, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da PUC/SP

76) ARLETE AVELAR SAMPAIO, médica, ex-vice governadora do DF, ex-deputada federal

77) ARMANDO BOITO JR., sociólogo e professor da Universidade de Campinas (IFCH / Unicamp)

78) ARMANDO FREITAS FILHO, escritor

79) ARTHUR SCATOLINI MENTEN, advogado, mestre, doutorando em direito e professor universitário

80) ARTUR MACHADO SCAVONE, jornalista

81) AUGUSTO BUONICORE, historiador e secretário geral da Fundação Maurício Grabois

82) AYTAN SIPAHI, médico e professor da Universidade de São Paulo (FM/USP)

83) BÁRBARA DE SOUZA CONTE, psicanalista

84) BARTÍRIA LIMA DA COSTA, presidenta da CONAM

85) BASÍLIO SILVA JÚNIOR, advogado

86) BEATRIZ CITELLI, professora universitária

87) BEATRIZ DARUJ GIL, professora da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP

88) BELA SISTER, psicanalista

89) BELMIRA OLIVEIRA BUENO, professora titular da Universidade de São Paulo (USP) e diretora da Faculdade de Educação (FEUSP)

90) BELUCE BELLUCCI, economista e professor da UCAM

91) BENJAMIN ABDALA JUNIOR, professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP)

92) BENTO DA COSTA CARVALHO JÚNIOR¸ professor aposentado da Universidade de Campinas e membro da Adunicamp

93) BERENICE ROJAS COUTO, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS)

94) BERNARDO COTRIM, membro do Fórum21

95) BERNARDO RICUPERO, professor de ciência política da Universidade de São Paulo (FFLCH / USP)

96) BETÂNIA DE MORAES ALFONSIN, advogada e professora universitária

97) BETH CARVALHO, cantora

98) BRENO ALTMAN, jornalista

99) BRUNA ANGOTTI, professora da Universidade Plesbiteriana Mackenzie

100) BRUNO DE CASTRO WINKLER, procurador do estado do Rio Grande do Sul

101) BRUNO LAZZAROTTI DINIZ COSTA, cientista político e professor da Fundação João Pinheiro

102) CAMILA KIMIE UGINO, professora da Pontifícia Universidade Católica (Economia / PUC/SP)

103) CAMILA SPOSITO, advogada, feminista e mestranda em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo (FD / USP)

104) CARLOS ÁGUEDO PAIVA, economista

105) CARLOS ALBERTO DUARTE, advogado, Sindicato dos Advogados de São Paulo

106) CARLOS BERRIEL, professor da Universidade de Campinas (Unicamp)

107) CARLOS EDUARDO F. DA SILVEIRA, economista

108) CARLOS EDUARDO PINTO DE PINTO, historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

109) CARLOS FERREIRA MARTINS, diretor do IAU de São Carlos da Universidade de São Paulo

110) CARLOS FREDERICO LEAO ROCHA, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

111) CARLOS HENRIQUE KAIPPER, ex-procurador geral do estado do Rio de Grande do Sul

112) CARLOS HENRIQUE TIBIRIÇA MIRANDA, economista e presidente da seção RJ da Fundação Maurício Grabois

113) CARLOS MIRANDA, professor da Universidade de Campinas (Unicamp)

114) CARLOS R. S. MILANI, professor e pesquisador IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

115) CARLOS ROBERTO F. NOGUEIRA, professor titular da Universidade de São Paulo (FFLCH / USP)

116) CARLOS SILVEIRA MARTINS, economista

117) CARMEN SYLVIA VIDIGAL MORAES, professora da Universidade de São Paulo (FE / USP)